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Prólogo

A discussão em torno da Agenda do Trabalho Digno é um dos mais importantes debates políticos do início desta década, desde logo, porque o contexto socioeconómico atual é substancialmente distinto do que se verificava aquando da última grande transformação das leis do trabalho em Portugal, ocorrida em 2003, com a aprovação do Código do Trabalho.

Nos últimos 20 anos, as leis laborais viram, na maioria das vezes, a sua vocação social funcionalizada. O trabalho foi amiúde tratado como mero apêndice dos ciclos económico-financeiros. Menosprezou-se a autonomia do direito do trabalho, impuseram-se práticas de relações de trabalho e formas de o prestar, acompanhadas pela criação de figuras jurídicas – que, apesar de apresentarem como objetivo uma flexibilidade protegida, foram-se enquistando e não cumprindo os propósitos enunciados. Desequilibrou-se o arranjo institucional – e suas dinâmicas – ancorado na Constituição de 76, tudo em nome de uma competitividade que teimou em não acompanhar essas medidas. Pelo meio, na sequência da execução do Programa de Ajustamento da Troika, acentuou-se um lastro pesado para o mundo do trabalho e, fundamentalmente, para os trabalhadores.

Um dos grandes pilares da reforma, iniciada em 2003, era a dinamização da contratação coletiva. A pretexto da sua estagnação criou-se um modelo que se veio a confirmar disruptivo. Não foi tido em linha de conta o quadro institucional anterior e descurou-se a realidade do trabalho em Portugal. 20 anos depois, constata-se que: a contratação coletiva não foi dinamizada; abalaram-se as bases de um sistema que funcionava como elemento-chave para a realidade do Estado Social português; não se obtiveram os ganhos de produtividade e competitividade anunciados e imbricou-se um crescendo de precariedades num baixo perfil de especialização da economia.

Muitas vezes, as discussões - e as decisões - em torno das matérias objeto de revisão foram feitas em cenários marcadamente conjunturais de forma apressada para remendar uma necessidade imediata. As grandes reformas carecem de reflexão, de estudo, de debate e de contributos dos parceiros sociais, dos trabalhadores e seus sindicatos, dos empregadores e suas organizações e da academia.

A importação de modelos estrangeiros per se raramente se afigura como uma boa solução. A flexi-segurança foi um monumental falhanço, a tendente liberalização do sistema de negociação coletiva foi outro. Entretanto, houve algumas soluções conjunturais acertadas, em especial as que se dirigiram ao combate a certas formas ou modalidades de precariedade.

As políticas públicas na área laboral e em toda a estruturação e operacionalidade dos sistemas de trabalho devem ter sempre como marco a centralidade do trabalho na vida humana e na sociedade. A discussão e o debate em torno e a partir da Agenda do Trabalho Digno podem ser um passo, embora limitado, nesse sentido.

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